Movimentos de serpente silenciosa.

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O mundo.

A globalização apresentou-se como  necessidade, mostrou-se enquanto vigilância de todos.

E boicote de si.

As  modalidades opióides contemporâneas mascaradas de aparências sutis e amistosas,

concretizam-se na diluição de si.

Em consonância com o eu que tudo pode,

inclusive simular sorrisos, feitos, momentos.

Postar para acreditar que vivos estamos.

Para sentir o que nos foi retirado em algum nível. A busca psicanalítica de si.

Os mergulhos que, caso sejam muito profundos, entediam e se desfazem no rolar das novas histórias cotidianas.

Histórias estas melhores que as nossas, necessariamente.

É a condição para que você seja parte do todo.

Que universo tão etéreo e dendo é esse? Fizemos a escolha, de fato, em estarmos nesse não-lugar?

Ou apenas chegamos lá porque, aparentemente, somos tão interessantes quanto estrelas Globais?

Somos tão óbvios a ponto de cedermos à atração de janelas abertas para espiarmos vidas inteiras?

Pensarmos  com responsabilidade, então, sobre as nossas próprias entreabertas, ou escancaradas.

A pressão invisível, mas inerente, de que se não há conteúdos passíveis de compartilhamento, talvez você não seja o suficiente.

E sem olhos a te contemplarem.

Você.

Falível,

humano,

incompleto.

Que sente,

sofre,

celebra

e vive lutos que sequer necessitam nomes, ou delineamentos.

Vivamos fora das telas.

Vivamos fora.

Vivamos.

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Do luto à luta.

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Marielle, AXÉ!

As lágrimas finalmente caíram quando vi Ilu Obá de Min cantando a Oxalá, rogando por justiça e, por meio daquelas vozes e mãos, celebrando sua vida e sua nobreza. Filha de Iansã, não à toa o céu do RJ relampejava com toda força. Nossa mãe certamente enfureceu-se. Retiraram a vida de uma de suas filhas.

Oni saurê / Aul axé / Oni saurê / Oberioman…

Lembro nitidamente que celebrei entusiasmada sua eleição a vereadora, como 5ª mais votada no RJ. Não sei, ao certo, se tenho o direito de me reportar a você e lamentar sua partida. Eu que, como branca, não sei metade da sua luta, não vivi nada do sofrimento que você tanto fez e faz ecoar, desvelando a todos estes olhos que invisibilizam o povo negro.

Oni saurê / Aul axé babá / Oni saurê / Oberioman / Oni saurê…

Te senti próxima justamente no momento em que te soube também filha de Iansã. E que, como tal, carregava nos olhos o brilho e a força de nossa mãe. Nós, filhas dessa orixá de guerra, somos transmissoras da velocidade de suas ventanias. Recarregamos nossas forças a cada relâmpago que desce do céu e toca o solo. E você, como ponta de lança das cores e voz de Oyá, incomodou hegemonias historicamente instaladas nessa terra que é sua e do povo que você representa.

Babá saurê / Aul axé / Baba saurê / Oberioman…

Eu custo a crer que a interrupção da sua vida aqui estivesse nos planos de Iansã. Você fez tanto… E havia tanto mais a ser feito! De minha parte, obrigada. Permaneço sem rumo, garganta presa, pensamento solto, sem saber por onde ir. Mas com a esperança de que a sua ida signifique rompimento dessa ordem odiosa que te fez sangrar e faz, todos os dias, a tantos dos seus. E, caso me seja permitido, mantenho-a como exemplo de mulher de luta. Quando penso em Oyá, é seu rosto que me vem à mente. Daqui, sigo entoando em sua homenagem um canto que te re-significa a mim:

“Eparrey, ela é Oyá, ela é Oyá!

Eparrey, é Iansã, é Iansã!

Eparrey! Quando Iansã vai pra batalha, todos os cavaleiros param só pra ver ela passar!”

Marielle, negra, lésbica, mãe, favelada e de esquerda: PRESENTE!

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Da morte.

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Sinto falta de um tempo em que a esperança habitava em terreno mais fértil aqui dentro. Falta dos trabalhos em equipe, seja política ou profissionalmente falando. Falta de me sentir útil a alguém externo às minhas redes de afeto.

Algo aqui está morrendo.

Vejo padrões se repetirem todo o tempo. Miro cenas idênticas às que eu presenciei nos meus poucos 12 anos de vida. Não gostaria, mas tem acontecido.

Frustro-me ao olhar no espelho com os mesmos olhos inchados daquela época. E ao lidar de maneira idêntica, ou muito similar aos episódios em que sentia tremer todo meu corpo por raiva.

Acreditei (tive esperança) que jamais iria presenciar aquilo novamente. Agressividade, hipocrisia, cobranças por padrões que já não me pautam faz muito tempo. Meu corpo é político, mas se eu não reitero isto a todo o momento, parece que tudo isso aqui não passa de uma massa amorfa, invisível.  Isso cansa, arrefece. Meus propósitos de vida são invisíveis aos olhos de quem nega que não sou a princesa projetada antes mesmo de meu nascimento.

E isso dói nestes olhos outros que não me enxergam. Mas, principalmente, em mim.

Do topo de meu privilégio branco, assisto partes sem mais forças para resistir. Minha autoestima sendo compelida a estar sempre por um fio; minhas crenças reduzidas a superstições; minha força de trabalho negada; meu afeto descartável e, enfim, minha saúde mental reduzida a pó.

Os motivos que me fazem levantar da cama todos os dias são, ironicamente, os mesmos que me golpeiam o rosto com força tamanha. A sensação é de que o peso de um bloco de concreto me rompe inteira, me parte ao meio.

Acreditei que não mais voltaria a escrever sobre dores. Errei.

Mais uma vez.

Algo nitidamente está morrendo aqui dentro. Temo pelo próximo “vir a ser”.

Eu sei que “sou meu próprio lar”. Mas essa casa está uma bagunça.

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A poeira das coisas

Tantas vezes me relacionei com pessoas invisíveis, inexistentes. Criei várias delas e não soube lidar depois. É difícil não idealizar cada momento futuro, cada passo a ser dado. É terrível forçar-se a não criar expectativas sobre coisas, acontecimentos e pessoas. E nos dizem a todo o tempo que não podemos, de fato, cair nessa “armadilha”.

O fato é que fazemos tudo isso, mesmo crendo que não, mesmo com incisivos momentos de autocontrole extremo disfarçado de autoconhecimento. As situações nos exigem a força que por vezes nem existe. E tudo bem não tê-la da maneira esperada ou no tempo exigido. Pode-se construí-la ou deixar que o tempo resolva. Difícil é acreditar que isso é possível e conseguir caminhar essa trilha.

É perigoso não se olhar com honestidade. Por mais difícil e dolorido que seja, nossas fragilidades, defeitos e traumas não devem ser postos embaixo dos tapetes da vida. Complexo é na prática.

A vontade é isolar-se. Às vezes possível e saudável. Conseguir, também, ficar somente com nossa companhia, é meio caminho andado. Deixar que raiva, tristeza, mágoa, emerjam.

Lidar com seus demônios é necessário, tenha certeza. Repito isso ao espelho quase que diariamente. A formatação social padrão não me contempla faz muito tempo, seja ela qual for. E quando me vejo careta, com valores considerados ultrapassados pela minha geração, sofro novamente. Prefiro silenciar, tantas vezes, em determinados debates, por saber que não vou receber em troca o melhor tratamento. Eis mais um medo.

O problema é que silêncio torna-se sintoma. E, uma vez mais, sou forçada pelo meu psiquismo a lidar com as causas.

Cansaço social, esse fiel companheiro que volta e meia me visita e me força a limpar a poeira das coisas, situações e pessoas. Cruel, porém, com razão de existir.

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Oceano.

Há tanto para lidar. Meu corpo tem sido oceano que transborda, que invade continentes. Alertas, pedidos de ajuda que não sei decifrar. Me saltam os sintomas.

Assim também a impotência de uma existência que se reconhece frágil, mesmo com a casca de tamanha força. Como é difícil assumir vulnerabilidades, inseguranças, tristezas, desafetos…

Mais fácil é manter-se sorrindo, mesmo que pouco acima do lábio superior haja marcas explícitas de que algo não está equilibrado.

Minha pele, couro de búfalo, é o mapa de todos os dias percorridos e os que anseio atravessar. As (poucas) imagens que me territorializam dizem tanto sobre quem eu desejo ser…

A agulha que transmuta tinta em curiosidade, dor em prazer, sempre foi visitada em momentos de grande rompimento, grande dor. Grande amiga, barulhento e sensível auxílio ao transmutar fases, virar páginas, forçar mudanças de ciclo.

Percebo-me tão mais adulta (ou velha?) desde o último texto. As lágrimas que reclamam controle dos sintomas de ansiedade invadem meu peito. Parece-me que, quanto mais ganhamos idade, mais fortes são os sinais do peso irremediável da vida.

Não sei ao certo porque choro. Nunca soube. Dar nome às coisas é difícil. Tenho músicas tão minhas e tão específicas que fazem com que todo esse processo flua. Eis um de meus maiores motivos de gratidão.

Oceano, essa relva líquida que invade o que for preciso. Oceano, tão imponente, mas que sabe recolher-se quando necessário. Retrocede em seus horários de transmutação. Este mesmo elemento me faz sorrir e chorar sem que eu perceba de imediato.

Sem começo nem fim.

E eu?

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